Inclusão escolar: definição e procedimentos de intervenção
Psicologia - Educação Inclusiva
1.1. Definição de Inclusão
De acordo com Leny Mrech,
[1] o objetivo da educação inclusiva (inclusão) é incluir as crianças deficientes no ensino regular e romper com preconceitos e estereótipos que envolvem a exclusão escolar de crianças com qualquer tipo de deficiência.
A inclusão escolar foi sugerida pela UNESCO em 1968, mas só se concretizou em 1986, nos EUA, quando crianças com deficiências leves e moderadas foram inseridas nas classes regulares comuns. Segundo Mrech, pais, professores, especialistas e instituições trabalharam contra todos os tipos de preconceito para que a educação inclusiva pudesse atingir mais de 5,8 milhões de deficientes americanos, em todos os níveis de ensino.
No Brasil, devido às intervenções do MEC, já existem escolas que realizam o mesmo trabalho. No entanto, ainda há o preconceito de muitos profissionais que afirmam que as crianças devem ser separadas das demais e colocadas em classes ou escolas especiais. Nesse sentido, os estereótipos relacionados aos deficientes são muito fortes, contribuindo para a exclusão social e escolar.
Ainda conforme Mrech, as crianças com deficiências mentais, físicas, visuais, auditivas, com distúrbios de aprendizagem ou emocionais conseguem inúmeros progressos em classes de ensino regular. Isso é possível porque elas têm a possibilidade de conviver em um contexto mais amplo, assimilando novas experiências. Segundo a professora,
(...) vídeos comparativos entre o desenvolvimento de deficientes em escolas especiais e os que estão em escolas de ensino regular demonstram o alto grau de progresso desses últimos. A linguagem é acelerada e eles aprendem novos conceitos brincando com as outras crianças.
Nosso objetivo é tentar romper com todos os processos de estigmatização, fazendo com que as crianças não sejam mais avaliadas apenas através dos testes de QI, mas pelo próprio potencial que elas apresentam. Isto porque esses testes medem o que ela não tem, em vez de lidar com aquilo que ela poderia utilizar no contexto escolar (Leny Mrech).
A inclusão escolar é prevista pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei nº 9.394 de 20/12/1996, da Constituição Federal Brasileira. Esse foi um fato histórico, conquistado após muitos anos de questionamentos sobre o tema. A lei é um instrumento importante para garantir a inclusão, visto que a mesma delineia a educação brasileira e apresenta um capítulo especialmente dedicado à educação especial.
Três aspectos da lei são destacados:
Educandos com necessidades especiais são aqueles que possuem necessidades incomuns e, portanto, diferentes dos outros no que diz respeito às aprendizagens curriculares compatíveis com suas idades. Em razão desta particularidade, estes alunos precisam de recursos pedagógicos metodológicos próprios (Capítulo III / Artigo 4º).
Entende-se por educação especial, para efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com necessidades especiais (Capítulo V / Artigo 58).
Professores com especialização adequada, em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para integração desses educandos nas classes comuns (Capítulo V / Artigo 59).
De acordo com essa lei, o alunado de educação especial pode ser classificado como:
· portadores de deficiência: alunos que apresentam deficiência mental, física, auditiva, visual ou múltipla;
· portadores de condutas típicas: alunos com comportamentos típicos de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos com repercussão sobre o desenvolvimento e comprometimento social;
· crianças de alto risco: alunos que têm o desenvolvimento fragilizado em decorrência de fatores como gestação inadequada, alimentação imprópria, nascimento prematuro, etc.;
· portadores de altas habilidades: alunos também chamados de superdotados, pois apresentam elevada potencialidade intelectual, aptidão acadêmica específica, capacidade criativa produtiva, alta performance em liderança, elevada capacidade psicomotora, talento especial para artes.
Sugestão de filmografia:
Sobre alunos portadores de altas habilidades, o filme Mentes que brilham.
1.2. Movimentos internacionais e nacionais a favor da inclusão
Os movimentos internacionais a favor da inclusão são:
Conferência Mundial Sobre Educação Para Todos, em Jomtiem (Tailândia) em 1990, em defesa da equidade social nos países mais pobres e populosos.
Declaração de Nova Delhi, em 1993, em defesa do atendimento à demanda de universalização do ensino básico.
Declaração de Salamanca, 1994, quando da realização da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, na cidade de Salamanca, Espanha.
Embora o Brasil, apesar de ter sido convidado, não tenha participado, esse documento influenciou fortemente a política e a gestão da educação, sobretudo da educação especial em nosso país.
A Linha de Ação Sobre Necessidades Educacionais Especiais, da Declaração de Salamanca, almeja a definição da política e a inspiração da ação de governos, organizações não governamentais e outras instituições na implementação de princípios, políticas e práticas em educação especial. Tal linha de ação representa para a política educacional, em âmbito nacional e internacional, um marco na definição de diretrizes para o planejamento de ações responsivas a necessidades educacionais especiais.
Essa Declaração repercutiu em mudanças significativas nas concepções de educação e, consequentemente, na compreensão da escola pública e da função social que exerce na sociedade contemporânea. No cenário educacional brasileiro, a LDB nº 9.394/96, o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/01) e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução CNE/SEB nº 02/01) incorporaram os princípios e as orientações da Declaração de Salamanca.
As principais orientações da Declaração são as seguintes:
· a urgência de novas ideias sobre necessidades educacionais especiais;
· a atenção a fatores escolares como a flexibilidade dos programas de estudos, a gestão escolar, a produção de informação e pesquisa, a formação de pessoal docente, a oferta de serviços externos de apoio, etc.;
· maior disponibilidade de recursos para a construção de escolas inclusivas;
· maior participação da comunidade escolar – interna e externa.
Diante dessas proposições, os sistemas de ensino são pressionados a rever muitos dos paradigmas que deram – e ainda dão – sustentação às suas práticas no atendimento educacional de grupos historicamente excluídos do acesso à educação e à cultura em geral – as pessoas com deficiência.
O termo necessidades educacionais especiais refere-se a todas as crianças ou aos jovens cujas necessidades vêm da capacidade ou da dificuldade de aprendizagem. Cabe à escola encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, incluindo aquelas que possuem desvantagens severas.
Dito isso, pode-se afirmar que o desafio dos sistemas de ensino é a construção de uma escola diferente da que se configura atualmente, ou seja, busca-se um espaço menos segregativo e mais acolhedor, que procure se adaptar às necessidades dos alunos, e não o contrário; que reconheça as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem nos alunos em vez das limitações que eles encontram em algumas condições temporárias ou permanentes.
Não se trata de buscar pertencimentos, inserções e estereótipos no campo cultural para categorizar indivíduos e coletividades, procurando integrá-los à cultura vigente; trata-se de compreender a cultura da diversidade como questionamento e desafio à cultura hegemônica, como forma de combater os processos de segregação.
Reconhecer e valorizar adiferença devem ser os pontos de partida e de chegada para construir uma base político-pedagógica que garanta uma educação na e para a diversidade. Para isso, faz-se necessário, dentre outras tantas mudanças, redimensionar as estruturas e a dinâmica dos sistemas de ensino, visandoà construção de uma escola que contemple e compreenda as diferentes formas de ser, fazer, aprender e conviver que se manifestam no contexto escolar, como a própria manifestação da diversidade humana.
1.3. História da educação especial no Brasil e políticas públicas
Embora o atendimento educacional a cegos, surdos, deficientes intelectuais e físicos tenha se iniciado no Brasil por volta do século XIX, somente no século XX, no final dos anos 50 e início da década de 60, ocorrerá na política educacional brasileira a inclusão da educação especial, da educação de deficientes ou da educação de excepcionais.
De acordo com Mazzotta (2001), podemos dividir dois períodos na evolução da educação especial no Brasil:
· (1º) Período de 1854 a 1956: iniciativas oficiais e particulares isoladas.
· (2º) Período de 1957 a 1993: iniciativas oficiais de âmbito nacional.
2.1. Período de 1854 a 1956
12 de setembro de 1854: primeira iniciativa de atendimento escolar especial aos portadores de deficiência concretizada por D. Pedro II através do Decreto Imperial nº 1.428 na cidade do Rio de Janeiro com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Em 17 de maio de 1890, passou a se chamar Instituto Nacional dos Cegos e, em 24 de janeiro de 1891, a denominar-se de Instituto Benjamin Constant(IBC). A educação consistia em oficinas de aprendizagem de ofícios: tipografia e encadernação para meninos cegos e tricôs para as meninas.
26 de setembro de 1857: D. Pedro II também irá fundar no Rio de Janeiro o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, pela Lei nº 839. Cem anos depois, em 6 de julho de 1957, pela Lei nº 3.198, passou a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Desde seu início, caracterizou-se pela educação literária e pelo ensino profissionalizante de meninos surdos-mudos com idade entre sete a quatorze anos, por meio de oficinas de sapataria, encadernação, pautação e douração.
Dezembro de 1883: Embora houvesse, na época, 15.848 cegos e 11.595 surdos, somente eram atendidos no IBC e INES, 35 cegos e 17 surdos. Isso levou à discussão sobre a educação dos portadores de deficiência no 1º Congresso de Instrução Pública, convocado pelo Imperador D. Pedro II, sendo então discutida, entre outros temas, a organização de currículo e formação de professores para cegos e surdos.
Em 1874: Hospital Estadual de Salvador, hoje chamado Hospital Juliano Moreira, iniciou o atendimento médico-pedagógico aos deficientes mentais. No começo do século XX, são publicados trabalhos científicos e técnicos indicando o interesse pela educação dos portadores de deficiência. Em 1950, havia cinquenta e quatro estabelecimentos de ensino regular e onze instituições especializadas mantidos pelo poder público (federal e estadual) que prestavam serviço de atendimento especial a deficientes mentais, físicos, visuais e auditivos.
De acordo com Mazzotta (2001), algumas Instituições destacaram-se pela sua importância ao longo da história e por isso estão aqui relacionadas.
Atendimento a deficientes visuais
· Instituto Benjamin Constant – IBC (Rio de Janeiro)
· Instituto de Cegos Padre Chico (São Paulo)
· Fundação para o Livro do Cego no Brasil (FLCB) ou Fundação Dorina Nowill para Cegos (São Paulo)
Atendimento a deficientes auditivos
· Instituto Santa Terezinha (São Paulo)
· Escola Municipal de Educação Infantil e de 1º Grau para Deficientes Auditivos Helen Keller (São Paulo)
· Instituto Educacional São Paulo (IESP) ou Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (DERDIC) – PUC/São Paulo
Atendimento a deficientes físicos
· Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (São Paulo)
· Lar-Escola São Francisco – convênio com a Secretaria da Educação do Estado e com a Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) – São Paulo
· Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) – São Paulo
Atendimento a deficientes mentais
· Instituto Pestalozzi de Canoas (Rio Grande do Sul)
· Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (Belo Horizonte)
· Sociedade Pestalozzi do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro)
· Sociedade Pestalozzi de São Paulo (São Paulo)
· Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro)
· Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo (São Paulo)
2.2. Período de 1957 a 1993
De acordo com Mazzotta (2001), o atendimento educacional à criança com necessidades especiais iniciou-se em nível nacional com a criação decampanhas especificamente voltadas para esse fim. Abaixo, estão relacionadas cada uma delas:
Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (CESB):em 03 de dezembro de 1957, instalada no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, tinha como objetivo promover medidas necessárias à educação e assistência ao surdo em todo território nacional.
Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão: em 01 de agosto de 1958, no Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro.
Campanha Nacional de Educação de Cegos (CNEC):em 31 de maio de 1960, pelo Gabinete do ministro da Educação e Cultura e direção da professora Dorina Nowill.
Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CADEME):em 22 de setembro de 1960, pelos movimentos liderados pela Sociedade Pestalozzi e pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, ambas no Rio de Janeiro, e com o apoio do Ministério da Educação e Cultura.
Em 03 de julho de 1973, com a finalidade de promover, em todo o território nacional, a expansão e a melhoria do atendimento aos excepcionais, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Com sua criação, foram extintas a Campanha Nacional de Educação de Cegos e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais, além das Campanhas do Instituto Benjamin Constant e Nacional de Educação de Surdos.
Em 1983, o CENESP foi transformado em Secretaria de Educação Especial (SESPE),manteve a estrutura anterior e sua coordenação foi transferida do Rio de Janeiro, onde estava localizada, para Brasília.
Em 25 de março de 1990 foi extinta a SESPE, e as atribuições relativas à educação especial passaram a ser da Secretaria Nacional de Educação Básica (SENEB).
Em 08 de dezembro de 1990, inclui-se como órgão da SENEB o Departamento de Educação Especial (DESE), com competências específicas em relação à educação especial.
No final de 1992, após a queda do presidente Fernando Collor de Mello, houve reorganização dos ministérios e reapareceu a Secretaria de Educação Especial (SEESP), como órgão específico do Ministério da Educação e do Desporto.
A partir da reconstrução da trajetória da educação especial no Brasil, Mazzotta (2001) concluiu afirmando que:
Alguns homens e mulheres, ao longo da história, desempenharam importante papel de impulsionadores do movimento de organização institucional ao atendimento de pessoas com deficiências e/ou necessidades especiais. De maneira pessoal ou coletiva, fizeram-se agentes individuais desse processo e que, se fossem outros, muito provavelmente teria sido outra trajetória da educação especial em nosso país. Vale destacar que suas propostas e ações políticas estiveram pautadas pelas condições sociais, econômicas e políticas historicamente determinadas.
Os pais de crianças com necessidades especiais têm sido uma importante força para as mudanças no atendimento aos portadores de deficiência.
[1] Texto extraído da autora no site https: //www.educacaoonline.pro.br.
Leitura Obrigatória:
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar. O que é? Por quê? Como fazer? 2ª. Ed. São Paulo: Moderna, 2006.
Leitura para Aprofundamento:
MAZZOTTA, Marcos J.S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. 4a. ed. São Paulo: Cortez, 2003.